26.4.10
O 25 de Abril em Descrença
Deixo para outra altura a sequência do artigo sobre Rohmer e Pascal, para lavrar aqui uma breve declaração sobre o grave desencanto com a retórica oficial e oficiosa dos laureados do Abril revolucionário.
Já aqui há poucos anos tive a ideia de transcrever dois violentos artigos do saudoso António José Saraiva, talvez a nossa maior figura de intelectual, de pensador, de filósofo da cultura, do século XX.
Inexplicavelmente, AJSaraiva aguarda ainda o reconhecimento da maioria da população portuguesa, que, sem consciência do mal que a corrói, caiu num estado de preocupante degradação cultural e cívica, que, no fundo, provoca nela uma contundente desqualificação moral, condição de tal forma acabrunhante que a incapacita de lutar para melhorar o seu futuro.
Basta atentar na categoria ética das elites presentes. Indivíduos sem preparação ascendem aos mais altos cargos da representação do Estado ou das Empresas, por meio de golpes baixos, compromissos venais e toda a sorte de aldrabices avulsas, sem encontrarem repúdio e, por vezes, nem sequer reprovação da parte dos seus concidadãos, que chegam a afirmar que fariam o mesmo em igualdade de circunstâncias, desde que tal lhes garantisse o que designam por sucesso ou êxito social.
Tamanha degradação ética e política causa enorme apreensão pelo futuro que aí vem.
Mesmo quando topamos com casos de boa formação técnica, com pessoas que desempenham com competência as suas profissões, salvo raras excepções, cada vez mais raras, o seu cinismo social, ético e cívico, a sua ausência de preocupações morais, a sua falta de solidariedade, etc., confrangem e abatem mesmo os que de entre nós se consideram mais idealistas.
O estado a que Portugal chegou 36 anos depois de uma Revolução que tudo prometeu no futuro, ao mesmo tempo que tudo diabolizava no passado, deprime qualquer um, por mais força anímica que julgue poder convocar.
Ao ouvir hoje de manhã na Rádio os discursos dos Deputados, do Presidente da Assembleia da República e o do próprio Presidente Cavaco Silva, sinto-me possuído de sentimento estranho, entre agradado e revoltado.
Só um grande esforço de rendenção colectiva poderá fazer-nos sair da descrença em que caímos e que continuamente nos tem puxado para o fundo do abismo.
Esse momento de redenção ainda não chegou e não parece poder vislumbrar-se enquanto se olhar para aqueles que do alto dos seus cargos falam sem competência e sem autoridade pedindo aos cidadãos esse esforço de recuperação do País, que todavia todos reconhecem necessário.
Sem arredar a corrupção e a incomptência instaladas em todos os escalões do Poder, não parece possível a redenção do País.
Mas só pode lançar esse justo apelo de redenção colectiva quem reunir as qualidades necessárias de probidade, competência profissional, sentido ético e cívico claramente evidenciados nas suas vidas.
Só a partir de bons paradigmas, geralmente reconhecidos como tais, se conseguirá despertar a energia colectiva da Nação descrente e abatida.
Até que eles surjam, da inspiração individual ou em resultado da persistente movimentação e empenho dos cidadãos, a Nação continuará a arrastar-se penosamente em direcção a um futuro tão duro quanto incerto.
AV_Lisboa, 25 de Abril de 2010
Mesmo quando topamos com casos de boa formação técnica, com pessoas que desempenham com competência as suas profissões, salvo raras excepções, cada vez mais raras, o seu cinismo social, ético e cívico, a sua ausência de preocupações morais, a sua falta de solidariedade, etc., confrangem e abatem mesmo os que de entre nós se consideram mais idealistas.
O estado a que Portugal chegou 36 anos depois de uma Revolução que tudo prometeu no futuro, ao mesmo tempo que tudo diabolizava no passado, deprime qualquer um, por mais força anímica que julgue poder convocar.
Ao ouvir hoje de manhã na Rádio os discursos dos Deputados, do Presidente da Assembleia da República e o do próprio Presidente Cavaco Silva, sinto-me possuído de sentimento estranho, entre agradado e revoltado.
Só um grande esforço de rendenção colectiva poderá fazer-nos sair da descrença em que caímos e que continuamente nos tem puxado para o fundo do abismo.
Esse momento de redenção ainda não chegou e não parece poder vislumbrar-se enquanto se olhar para aqueles que do alto dos seus cargos falam sem competência e sem autoridade pedindo aos cidadãos esse esforço de recuperação do País, que todavia todos reconhecem necessário.
Sem arredar a corrupção e a incomptência instaladas em todos os escalões do Poder, não parece possível a redenção do País.
Mas só pode lançar esse justo apelo de redenção colectiva quem reunir as qualidades necessárias de probidade, competência profissional, sentido ético e cívico claramente evidenciados nas suas vidas.
Só a partir de bons paradigmas, geralmente reconhecidos como tais, se conseguirá despertar a energia colectiva da Nação descrente e abatida.
Até que eles surjam, da inspiração individual ou em resultado da persistente movimentação e empenho dos cidadãos, a Nação continuará a arrastar-se penosamente em direcção a um futuro tão duro quanto incerto.
AV_Lisboa, 25 de Abril de 2010
11.4.10
Dupla Evocação : Rohmer e Pascal
No início do ano, a 11 de Janeiro, faleceu com 89 anos, o realizador de cinema Eric Rohmer.
A minha memória cinéfila registava, sobretudo, aquele seu filme que fundamente me motivou : A Minha Noite em Casa de Maud/Ma Nuit Chez Maud, de 1969, a preto e branco, rodado em pleno inverno rigoroso, em época natalícia, com neve abundante, no interior de França, na cidade de Clermond Ferrand.
A cidade havia sido escolhida certamente por ter sido a terra de nascimento do filósofo e cientista Blaise Pascal (1623–1662), figura que será no filme largamente evocada, pela discussão que se abre, ao jantar, na casa de Maud, na noite do dia de Natal.
O enredo do filme é tipicamente rohmeriano. Baseia-se fielmente no conto que o autor escrevera antes de o transpor em filme e constitui um dos seis contos morais da obra que Rohmer publicou, todos eles depois vertidos para o cinema, com geral sucesso, em particular, este, da Minha Noite em Casa de Maud.
Os quatro actores principais são sóbrios, mas de grande domínio técnico na arte de representar.
O papel de maior destaque cabe a Jean-Louis Tringtignant, Jean-Louis, no filme, na pele de um Engenheiro da empresa Michelin, de 34 anos, celibatário, regressado a França, após alguns anos de trabalho no estrangeiro, em Vancouver e Valparaíso, ao serviço de uma filial da Standard Oil.
Este personagem, católico, com um interesse paraticular pela Matemática, pelo Cálculo das Probabilidades e pelas suas transposições reflexivas, designdamente nos campos da filosofia e da religião, à semelhança do que acontecera com Pascal, pioneiro deste ramo das Matemáticas e autor da famosa aposta – Le Pari de Pascal – com a qual procurara incitar o Homem a jogar uma espécie de jogo, sobre a existência de Deus, em que, surpreendentemente, ele teria tudo a ganhar e nada a perder, revelando-se, por conseguinte, néscio se recusasse o desafio proposto.
Segundo Pascal, o Homem, se aceitasse entrar neste jogo, e vencesse, i.e., se Deus existisse, o ganho para si obtido seria de natureza infinita, dado que alcançaria a salvação eterna da sua alma, a troco de nenhuma prejuízo, caso viesse a perder a aposta, ou seja, se Deus não existisse.
Esta ideia de Pascal, de propor ao Homem um jogo, aparentemente de grande bondade, visto que oferece tudo, o máximo, o infinito, a sua salvação eterna, sem nenhum dano para o próprio, em caso de perda, seria, posteriormente criticada por muitos pensadores, desde logo por permitir ao Homem uma atitude do mais descarado oportunismo, pela facilidade da aceitação dos termos da proposta.
O Homem poderia atingir a salvação a troco de nada, i. e., apenas lhe seria exigido que enunciasse a sua fé na existência de Deus.
Convenhamos que a crítica também é fácil. Naturalmente, que um espírito elevado, exigente, com fundo estóico, como Pascal profundamente era, não admitiria premiar superlativamente semelhante possibilidade de oportunismo do candidato à salvação eterna.
Para reflexão geral, transcrevo a seguir parte substancial da célebre passagem da obra que viria a ser publicada com o título « Pensées/Pensamentos» de Pascal :
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« Qu'il est plus avantageux de croire que de ne pas croire ce qu'enseigne la Religion Chrétienne.
Oui ; mais il faut parier ; cela n'est pas volontaire ; vous êtes embarqué ; et ne parier point que Dieu est, c'est parier qu'il n'est pas. Lequel prendrez vous donc ?
Pesons le gain et la perte en prenant le parti de croire que Dieu est. Si vous gagnez, vous gagnez tout ; si vous perdez, vous ne perdez rien. Pariez donc qu'il est sans hésiter. Oui il faut gager.
Mais je gage peut-être trop. Voyons : puis qu'il y a pareil hasard de gain et de perte, quand vous n'auriez que deux vies à gagner pour une, vous pourriez encore gager.
Et s'il y en avait dix à gagner, vous seriez bien imprudent de ne pas hasarder votre vie pour en gagner dix à un jeu où il y a pareil hasard de perte et de gain. Mais il y [55] a ici une infinité de vies infiniment heureuses à gagner avec pareil hasard de perte et de gain ; et ce que vous jouez est si peu de chose, et de si peu de durée, qu'il y a de la folie à le ménager en cette occasion.
Car il ne sert de rien de dire qu'il est incertain si on gagnera, et qu'il est certain qu'on hasarde ; et que l'infinie distance qui est entre la certitude de ce qu'on expose et l'incertitude de ce que l'on gagnera égale le bien fini qu'on expose certainement à l'infini qui est incertain. Cela n'est pas ainsi : tout joueur hasarde avec certitude pour gagner avec incertitude ; et néanmoins il hasarde certainement le fini pour gagner incertainement le fini, sans pécher contre la raison.
Il n'y a pas infinité de distance entre cette certitude de ce qu'on expose, et l'incertitude du gain ; cela est faux. Il y a à la vérité infinité entre la certitude de gagner et la certitude de perdre. Mais l'incertitude de gagner est proportionnée à la certitude de ce qu'on hasarde selon la proportion des hasards de gain et de perte : et [56] de là vient que s'il y a autant de hasards d'un côté que de l'autre, le parti est à jouer égal contre égal ; et alors la certitude de ce qu'on expose est égale à l'incertitude de ce qu'on expose est égale à l'incertitude du gain, tant s'en faut qu'elle en soit infiniment distante.
Et ainsi notre proposition est dans une force infinie, quand il n'y a que le fini à hasarder à un jeu où il y a pareils hasards de gain que de perte, et l'infini à gagner. Cela est démonstratif, et si les hommes sont capables de quelques vérités ils le doivent être de celle là.
Je le confesse, je l'avoue. mais encore n'y aurait-il point de moyen de vois un peu plus clair ? Oui, par le moyen de l'Écriture, et par toutes les autres preuves de la Religion qui sont infinies.
Ceux qui espèrent leur salut, direz vous, sont heureux en cela. Mais ils ont pour contrepoids la crainte de l'enfer. Mais qui a plus sujet de craindre l'enfer, ou celui qui est dans l'ignorance s'il y a un enfer, et dans la certitude la damnation s'il y en a ; ou [57] celui qui est dans une certaine persuasion qu'il y a un enfer, et dans l'espérance d'être sauvé s'il est ?
Quiconque n'ayant plus que huit jours à vivre ne jugerait pas que le parti de croire que tout cela n'est pas un coup de hasard, aurait entièrement perdu l'esprit. Or si les passions ne nous tenaient point, huit jours et cent ans sont une même chose.
Quel mal vous arrivera-t-il en prenant ce parti ? Vous serez fidèle, honnête, humble, reconnaissant, bienfaisant, sincère, véritable. A la vérité vous ne serez point dans les plaisirs empestés, dans la gloire, dans les délices. Mais n'en aurez vous point d'autre ?
Je vous dis que vous y gagnerez en cette vie ; et qu'à chaque pas que vous ferez dans ce chemin, vous verrez tant de certitude du gain, et tant de néant dans ce que vous hasarderez, que vous connaîtrez à la fin que vous avez parié pour une chose certaine et infinie, et que vous n'avez rien donné pour l'obtenir.
Vous dites que vous êtes fait de telle sorte que vous ne sauriez [58] croire. Apprenez au moins votre impuissance à croire, puisque la raison vous y porte, et que néanmoins vous ne le pouvez. Travaillez donc à vous convaincre, non pas par l'augmentation des preuves de Dieu, mais par la diminution de vos passions.
Vous voulez aller à la foi, et vous n'en savez pas le chemin : vous voulez guérir de l'infidélité, et vous en demandez les remèdes : apprenez de ceux qui ont été tels que vous, et qui n'ont présentement aucun doute. Ils savent ce chemin que vous voudriez suivre, et ils sont guéris d'un mal dont vous voulez guérir. Suivez la manière par où ils ont commencé ; imitez leurs actions extérieures, si vous ne pouvez encore entrer dans leurs dispositions intérieures ; quittez ces vains amusements qui vous occupent tout entier.
J'aurais bientôt quitté ces plaisirs, dites vous, si j'avais la foi. Et moi je vous dis que vous auriez bientôt la foi si vous aviez quitté ces plaisirs. Or c'est à vous à commencer. Si je pouvais je vous donnerais [59] la foi : je ne le puis, ni par conséquent éprouver la vérité de ce que vous dites : mais vous pouvez bien quitter ces plaisirs, et éprouver si ce que je dis est vrai.
[§] Il ne faut pas se méconnaître ; nous sommes corps autant qu'esprit : et delà vient que l'instrument par lequel la persuasion se fait n'est pas la seule démonstration. Combien y a-t-il peu de choses démontrées ?
Les preuves ne convainquent que l'esprit. La coutume fait nos preuves les plus fortes. Elle incline les sens qui entraînent l'esprit sans qu'il y pense. Qui a démontré qu'il sera demain jour, et que nous mourrons ; et qu'y a-t-il de plus universellement crû ?
C'est donc la coutume qui nous ne persuade ; c'est elle qui fait tant de Turcs, et de Païens ; c'est elle qui fait les métiers, les soldats, etc. Il est vrai qu'il ne faut pas commencer par elle pour trouver la vérité ; mais il faut avoir recours à elle, quand une fois l'esprit a vu où est la vérité ; afin de nous abreuver et de nous teindre de cette créance qui nous échappe à [60] toute heure ; car d'en avoir toujours les preuves présentes c'est trop d'affaire.
Il faut acquérir une créance plus facile qui est celle de l'habitude, qui sans violence, sans art, sans argument nous fait croire les choses, et incline toutes nos puissances à cette créance, en sorte que notre âme y tombe naturellement.
Ce n'est pas assez de ne croire que par la force de la conviction, si les sens, nous portent à croire le contraire.
Il faut donc faire marcher nos deux pièces ensembles ; l'esprit, par les raisons qu'il suffit d'avoir vues unes fois en la vie ; et les sens, par la coutume, et en ne leur permettant pas de s'incliner au contraire»
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A continuar.
AV_Lisboa, 11 de Abril de 2010
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A continuar.
AV_Lisboa, 11 de Abril de 2010